domingo, 14 de dezembro de 2008

Conversas sobre Autonomia

"Impõe-se a conclusão de que, na nossa sociedade, os realmente fracos não são os que sofrem, mas, sim, os que têm medo de sofrer. As pessoas que se adaptaram com maior sucesso são realmente os fracos. É para esconder tal realidade que essa gente anda há milénios a propagar o mito segundo o qual a sensibilidade é sinal de fraqueza. São eles os que tentam escapar a todo o dolor e sofrimento através do desdobramento da sua personalidade. São eles quem perpetua uma visão distorcida da realidade que é a ideologia do poder e da dominação."
Arno Gruen

terça-feira, 10 de junho de 2008

Subindo a Montanha

“O homem não vive somente a sua vida individual; consciente ou inconscientemente participa também da sua época e dos seus contemporâneos. Até mesmo uma pessoa inclinada a julgar absolutas e naturais as bases gerais e ultrapessoais da sua existência, e que dá ideia de as criticar tão objectivamente quanto o bom do Hans Castorp – até uma pessoa assim pode facilmente sentir o seu bem estar moral um tanto diminuído pelos defeitos inerentes a essas bases. O indivíduo pode visar numerosos objectivos pessoais, finalidades, esperanças, perspectivas, que lhe dêem o impulso para grandes esforços e elevadas actividades; mas, quando o elemento impessoal que o rodeia, quando o próprio tempo, não obstante toda a agitação exterior, carece no fundo de esperanças e perspectivas, quando se lhe revela como desesperador, desorientado e falto de saída, e responde com um silêncio vazio à pergunta que se faz consciente ou inconscientemente, mas em todo caso se faz, a pergunta pelo sentido supremo, ultrapessoal e absoluto, de toda a actividade e de todo o esforço – então tornar-se-á inevitável, precisamente entre as naturezas mais rectas, o efeito paralisador desse estado de coisas, e esse efeito será capaz de ir além do domínio da alma e da moral, e de afectar a própria parte física e orgânica do indivíduo. Para um homem se dispor a empreender uma obra que ultrapassa a medida do que é usual fazer-se, sem que a época saiba dar uma resposta satisfatória à pergunta “Para quê?”, é indispensável ou um isolamento moral e uma independência, como raras vezes se encontram e têm um quê de heróico, ou então uma vitalidade muito robusta. Hans Castorp não possuía nem uma nem outra dessas qualidades, e portanto deve ser considerado medíocre, posto que num sentido inteiramente louvável.
(…)
“Hans Castorp respeitava o trabalho. Como poderia deixar de fazê-lo? Isso seria contrário à sua natureza. Tudo contribuía para que o trabalho se lhe apresentasse como digno do mais ilimitado despeito; no fundo, não existia nada fora dele que merecesse tal respeito; o trabalho era o princípio em face do qual uma pessoa se saía bem ou malograda, era o que havia de absoluto na época, e trazia em si a sua justificação. O respeito que Hans Castorp lhe devotava era portanto de carácter religioso e, conforme lhe parecia indiscutível. Isso não quer, no entanto, dizer que ele amasse o trabalho; disso não era capaz, por mais que o respeitasse, simplesmente pela razão de não se dar bem com ele. Um esforço intenso irritava-lhe os nervos e esgotava-o rapidamente. Com toda a franqueza, Hans Castorp confessava que no seu íntimo gostava muito mais das horas de lazer, livres do lastro de chumbo das tarefas penosas, as horas que abertamente se estendiam diante dele, não crivadas de obstáculos a serem vencidos por duras penas. Essa contradição na sua atitude perante o trabalho deveria, a bem dizer, ser resolvida. Talvez por isso o seu corpo tanto como o seu espírito – em primeiro lugar o espírito e sob a sua influência também o corpo – se teriam dedicado ao trabalho com maior prazer e intensidade, se Hans Castorp, no âmago da sua alma, naquelas profundezas que ele mesmo ignorava, tivesse sido capaz de crer no trabalho como valor absoluto e princípio que se justificasse a si próprio, e de achar sossego nesse pensamento. Com isso chegaríamos mais uma vez à questão da sua mediocridade ou mais-do-que-mediocridade, à qual não tencionamos dar uma resposta precisa. Não nos consideramos, de forma alguma, apologistas de Hans Castorp, e por isso não eliminamos a hipótese de que o trabalho, na sua vida, apenas estorvava um pouco o gozo perfeito do Maria Mancini.”
Thomas Mann in Montanha Mágica

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Armistício

Do país dos Poetas e Pensadores:
Bach, Beethoven, Wagner, Händel, Brahms, Strauss, Schumann, Ernst, Kurt Weil, Goethe, Kant, Hegel, Marx, Nietzsche, Schopenhauer, Heidegger, Lutero, Grimm, Thomas Mann, Hermann Hesse, Günter Grass, entre outros. Muitos mais.
E ainda a Nico. E mais os Kraftwerk, os Can e os Neu!
Tantos!

No melhor pano caiu a nódoa. O que seria hoje se os aliados não a tivessem limpo.
Comemoremos o Dia da Vitória.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

128 min.

Berlim, Berlim, Berlim.
Lugar de culto.
Por lá passaram muitos vultos modernos como Lou Reed, Iggy Pop, Bowie e Nick Cave. São alguns entre muitos. Muitos desconhecidos também. E nem todos estiveram lá fisicamente. Comum apenas o fervilhar. Um pré-aquecimento global. De ideias.
Berlim, Cidade-Estado, foi sendo sucessivamente da Prússia, do Império Alemão, da República de Weimar e por fim do Terceiro Reich. A partir desse momento fatal, a História não seria mais a mesma. Em consequência da Guerra Fria fecharam-se portas na cidade. Salvaram-se apenas as portas da percepção que por resistência de uns quantos ficaram abertas. E quando o muro caiu a História mais uma vez não voltou a ser a mesma.
Berlim, Cidade-Fatal. Não falha. Fatal como o Destino. E destinada sempre a mudar rumos. Os nossos. E a abrir portas. Algumas das minhas foram abertas assim, com uma estreita ligação a Berlim apesar de nunca lá ter estado. Uma importante foi pela mão de Wim Wenders com a ajuda do filme “As Asas do Desejo”. Existiram outras mas ficarão para outra altura. Onde estás Christiane F.?
E foi com os anjos que encontrei pela primeira vez o “Song of a childhood”, poema de Peter Handke, presença constante no filme. Uma pequena parte do poema, só para acompanhar este momento:
“When the child was a child,
It was the time for these questions:
Why am I me, and why not you?
Why am I here, and why not there?
When did time begin, and where does space end?
Is life under the sun not just a dream?
Is what I see and hear and smell
not just an illusion of a world before the world?
Given the facts of evil and people.
does evil really exist?
How can it be that I, who I am,
didn’t exist before I came to be,
and that, someday, I, who I am,
will no longer be who I am? “
Tenho uma ligação estranha com este poema. Várias vezes tentei decorá-lo. Mesmo em alemão e sem nada saber de alemão. Fruto disso, ás vezes no meio do nada esta canção sobe-me à cabeça e tudo pára á minha volta. Não é que tudo pare mas eu tenho de parar tudo. Uma necessidade urgente de serenidade e calma. Acima de tudo: um alívio acompanhado por uma respiração profunda. Aproveita o momento, oiço.
Mas voltando ao alemão: a musicalidade destas palavras sempre me fascinou. Mas por outro lado não deixa de ser impressionante que mesmo traduzindo para outra língua, a música em si consegue-se manter intacta. Do inglês ao português, ela está lá. A música virá mais da nossa imaginação, influenciada directamente pela mensagem ou filosofia que o poema canta. O conteúdo é que interessa. A música acompanha. E nós, apenas atentos, dançamos.
"When the child was a child
It walked with its arms swinging,
wanted the brook to be a river,
the river to be a torrent,
and this puddle to be the sea. "
Dançamos também graças a Nick. O bom filho. Vindo directamente das caves. E que agora, nos últimos tempos, tem mandado o Lázaro outra vez para debaixo de terra.
Momento sublime no filme. Que sorte teve aquele anjo! A de experimentar a sensação de entrar naquele clube, naquelas profundezas. Imagino-me também frequentemente naquela sala, incógnito no meio daquelas pessoas, encandeado pelos candelabros e hipnotizado pela música. A absorver tudo. Palavra chave: intensidade. E a dançar. Gosto de dançar. Com a mente. Obrigado Nick. From you to Eternity.
128 minutos podem mudar muita coisa. O Colombo, o detective, já sabia disso também.
Ainda bem que não sou anjo.
As minhas cores num fundo preto e branco.

domingo, 30 de março de 2008

A do Hemingway:
"For sale: baby shoes, never worn."

A do JP:
“- Não desistas.
- Não pares.
- Amo-te.
- Agora não.”

A da Kareninna:
"Malmequer, bem-me-quer. Pétalas caem. Imenso jardim Mal-me-quer."

A da M:

A do Vagabundo:
"Nascido para insuflar bonecas, morre engraxando sapatos."

domingo, 16 de março de 2008

Passado, Presente e Futuro

18ºMeia Maratona de Lisboa

Categoria Veteranos I - Idades a partir dos 35 anos.

sábado, 15 de março de 2008

...

Bom, pelo menos diverti-me; diverti-me, pensou ele, olhando para as floreiras com gerânios descorados. E o seu devertimento estava agora reduzido a pó, pois era em parte produto da imaginação, como ele bem sabia, pura invenção toda essa aventura com a rapariga. Aliás, a melhor parte da vida é aquele em que nós próprios imaginamos, pensou - imaginamo-nos, imaginamos os outros, criando assim deliciosas diversões, e até algo mais do que isso. Mas era estranho, e porém verdadeiro, que tudo o que não podemos partilhar com alguém acaba por desfazer-se em pó.
...
Virginia Woolf in Mrs Dalloway

sexta-feira, 14 de março de 2008

das Land der Dichter und Denker

“A forma de aparecimento da vontade é só o presente, não o passado, nem o futuro: estes só existem para o conceito e pelo encadeamento da consciência, submetida ao princípio da razão. Ninguém viveu no passado, ninguém viverá no futuro: o presente é a forma de toda a vida.”
Schopenhauer, 1819

segunda-feira, 10 de março de 2008

10 Livros

Apesar da minha relutância aos “best of ”, tenho que admitir que pode ser útil para firmar ideias, recordar passados e partilhar experiências. De qualquer forma, e de como de livros se trata, esta lista não pretende ser um referência sobre os melhores livros que já li mas sim de livros que me marcaram em alguma fase da minha vida. É provável que me tenha esquecido de algum importante, mas a memória já está gasta e o que hoje me possa parecer irrelevante ontem talvez tenha tido uma importância subliminar. De duas certezas posso me valer, quando de livros e listas se tratam. A primeira é que por mais ávida que possa ser a vontade de ler, com o passar das “Horas”, maior será a lacuna das obras não lidas. A segunda é que desta que hoje partilho, poucos serão os que constarão na lista que, se porventura amanhã o fizer, será impressa no meu último capítulo.


Cronológica e hierarquicamente desorganizado (apesar de o ser possível):


"Top Ten"


· Cem Anos de Solidão – G. G. Marquês
· Praga Escarlate – J. London
· Ensaio Sobre a Cegueira – J. Saramago :)
· A Espuma dos Dias – B.Vian
· Fiesta – E.Hemingway
· 1984 – G. Orwel
· O Livro do Desassossego – Fernando Pessoa
· O Estrangeiro – A.Camus
· O Perfume – P.Suskind
· Os Esteiros – S.P.Gomes

domingo, 9 de março de 2008

O Iluminismo

“O que é o tempo?
Quem o sabe explicar?
Quem sabe articular sequer um pensamento acerca dele?
E no entanto, o que há de mais familiar e sempre presente que o tempo?
Então o que é afinal?
Se ninguém me perguntar, eu sei.
Se tivesse de o explicar, não saberia.
Tudo o que digo é que não haveria passado, se nada passasse. E não haveria futuro, se nada viesse ao nosso encontro. E não haveria presente, se não houvesse algo que existe.
Como é então que existem estes dois conceitos de tempo?
Um passado, outro futuro, se o passado já não é, e o futuro ainda não é?
Mas se o presente fosse para sempre presente e não passasse, não seria presente, mas eternidade.
Por outro lado, nunca houve um tempo em que não houvesse tempo.
Mas se o presente só existe para se tornar passado, como podemos sequer dizer que ele existe, se a sua existência se perde logo?
Ou devemos afirmar que o tempo só existe porque tende a não existir?
O que é claro é que, nem o passado nem o futuro existem.
O passado não existe porque já foi. E o futuro não existe porque ainda não chegou. Tenho então de dizer que só há um tempo…o tempo presente?
Ou podemos em vez disso assumir que somos três tempos distintos?
Nomeadamente…o presente do passado…o presente do presente…e o presente do futuro?
O único tempo que eu posso realmente viver é o tempo presente. Mas, não obstante, na nossa alma, sentimos três tempos diferentes.
Há o presente do passado, que é a memória, o presente do presente, que é a contemplação, e o presente do futuro, que é a expectativa.
No decorrer da vida, todas as acções que eu projecto para o futuro, uma vez concluídas, passam a fazer parte do passado. Com o passar do tempo, quanto mais vivemos mais as nossas experiências se tornam recordações.
Todas as coisas esperadas são reduzidas ao entrar no presente e isto acontece no espaço de um só dia, como acontece no período das nossas vidas.
Confesso, meu Senhor, que ainda não sei o que é o tempo. Tu, meu Deus, vais iluminar-me. Serás a minha lanterna. Irei de encontro à Tua luz. Tu, meu Deus, iluminarás a minha escuridão. Cada vez mais luminosa, mais luminosa.

Baseado em Sto Agostinho 354-430 DC”

Texto tirado da curta-metragem “O Iluminismo” realizada por Volker Schlöndorff.
O filme acaba com um homem a ser electrocutado; uma pequena ironia…brincadeira séria do Cinema.

quinta-feira, 6 de março de 2008

A Odisseia no Espaço

O vaivém parou aqui.
Já o tinha visto a rondar por aí.
O seu voo deixa um rasto no céu que nos hipnotiza, tem fumos brancos que perduram e nos fazem pensar que lá dentro se está.
Naturalmente, nas vezes que o via, acabava por acenar com um simples levantar da mão; quem sabe uma resposta surgiria. Sem dúvida que a altura a que ele está é sempre demasiado alta. Mas instintivamente é assim. Um gesto natural. Um momento imortal.
Um dia ousou sonhar. Desde então vai e vem, não pára ou raramente. Percebo-o. Também não teria razões para parar. Parar é um bloqueio. O sono é mesmo irmão da morte?
Desta vez, acredito, foi diferente. Parou por breves momentos.
Mas somente o tempo de me perguntar se quero entrar.
Não é evidente. As minhas grandes viagens são neste momento meras recordações. É certo que me moldaram, tiveram e ainda têm uma importância vital para mim mas já lá vai o tempo e não sei se actualmente esse tempo me deixa voar. Eu preciso de ir, a necessidade está cá, mas a resposta não é fácil. Não é que desgoste de viagens mas a ansiedade do efeito da turbulência manifesta-se com profunda antecipação. Não há decisões certas mas é urgente tomá-las.
“…Candy says I hate the big decisions that cause endless revisions in my mind”.
Enfrentemos. Em frente.
Entro. Subo os degraus. Ansioso, já se percebeu. Na verdade, não me sinto aquele peso pesado que não permite que o vaivém voe. Aquele tipo que tem obrigatoriamente de ir ao meio para manter o equilíbrio. Eu tenho outros pesos. Sinto-me mais como um peso leve. O pluma. Á partida sem grande interferência no voo. Nem muita ajuda devo conseguir dar. Inofensivo mas inoperante também. Apreensivo, talvez um acaso ou uma qualquer inadvertência possa criar algum tipo de perigo, algum equivoco; um simples bater de asas de uma borboleta (azul) que provoque o caos. As teorias não são muito leves. Mas digamos antes simplesmente que a leveza pode ser insustentável. E cair. Não o vaivém, é claro. Sim, ao menos não tenho vertigens. Entrar em espiral negativa, esse será talvez o meu medo. Não da queda atribulada mas da aterragem em si. Atirem-me para fora que vos digo.
“L’important ce n’est pas la chute mais l’atterrissage”.
Calma, a confiança é a base de tudo para um voo tranquilo.

Por vezes é duro ser assim. Corroer por dentro sem razão aparente. Está tudo na nossa cabeça. O PH é ácido. E não quero contaminar nada. Quero que a viagem seja aquilo que anseiam. E que se possível me molde mais.

“…
Take your protein pills and put your helmet on
Ground control to major Tom
Commencing countdown, engine's on
Check ignitions, and may God's love be with you
10…9…8…7…6…5…4…3…2…1…lift off

Tell my wife I love her very much, she knows.
…”

De olhos bem fechados, rugas na máxima força, mãos transpiradas, a adrenalina explode na medula e sobe até ao pescoço; o golpe violento provoca um curto-circuito dentro do meu cérebro; o choque que sinto encandeia tudo à minha volta, sou uma luz, a força da gravidade puxa-me para baixo, a força do Delfim segura-me e leva-me para cima.
Vrummmmmmmmmm………..e.s..t.o..u_____c.a´a___d.enn..tt..r.o.

quarta-feira, 5 de março de 2008

O Desígnio

"Todo o meu ser moral e intelectual é penetrado por uma convicção invencível de que tudo o que fica sob o domínio dos nossos sentidos tem de estar na natureza e, por muito excepcional que seja, não pode diferir na essência de todos os outros efeitos do mundo visível e tangível do qual somos uma tímida parte. O mundo dos vivos já contém maravilhas e mistérios suficientes - maravilhas e mistérios que agem sobre as nossas consciências e inteligência de formas tão inexplicáveis que quase justificariam a concepção da vida como um estado encantado. Não sou demasiado firme na minha consciência do maravilhoso para me fascinar jamais com o simples sobrenatural que (pensem o que pensarem) não passa de um artigo fabricado, fabricação de mentes insensíveis às delicadezas íntimas da nossa relação como os mortos e com os vivos, nas suas multidões incontáveis; uma profanação das nossas recordações mais ternas; um ultraje à nossa dignidade."



Joseph Conrad, The Shadow Line

terça-feira, 4 de março de 2008

Num piscar de olhos

Não existem factos, apenas sentimentos e manifestação de emoções, fragmentos de almas, o oposto diurno e o silêncio das multidões.

Agora tudo é possível, o joguete com a alma vai começar. A realidade para aqui não é chamada, a realidade não existe, besta horrenda e felpuda, colete de forças constrangedor, razão da minha dor.

Ponto final parágrafo. Amanhã de manhã já não será assim, sobe e desce, corre e discorre, vai e volta, talvez..., nunca sim ou não.

Não há certezas, as dúvidas conduzem as incertezas, a lutas de opostos, ao paradoxo do expectável, ao condicionamento eterno.

Nem corpo nem alma sã, apenas o possível. O arrastar do corpo pelos anos, pelos sentidos únicos, pela indubitável certeza das falsas escolhas.

Opto verdadeiramente por não optar, as opções possíveis não são apenas as apresentadas, o jogo está viciado à partida. Não quero apenas as opções em aberto, opto pela ficção e pelo abstracto.

Uma leve brisa nocturna envolve e afasta o meu falso contentamento. Os meus receios dissolveram-se no silvo da noite. Aconchego-me no meu vazio e preparo-me para adormecer.

domingo, 2 de março de 2008

O equilibrista

Eu, nós, eles. Nem sempre por esta ordem ou nas mesmas proporções. Ultimamente muito pouco "eu", residualmente "eu", muito "nós" e inevitavelmente "eles".

"Eles" por que tem que ser. Não tem que ser, mas o "eu" quer que assim seja. O "eu" precisa "d'eles"para as suas realidades.
"Eles" são o acessório, o contornável, o equívoco, o desprezível, o figurativo.
Muitas vezes são "eles" que ocupam a maior parte dos meus dias, criam obstáculos que, em dias difíceis, parecem incontornáveis, subjugam a vontade e chegam a corromper a alma por uma mão cheia de nada ou meia dúzia de ilusões.
"Eles" são o figurante com aspiração a personagem principal. Dâmaso Salcede sem escrúpulos, flatulento e barrigudo, perfumado com as cópias dos outros.
Sou "eu" quem cria as necessidades mas são eles que as alimenta. Paguem-me bem para os suportar!

"Nós", porque somos a base estrutural do meu quotidiano, porto de abrigo nas horas más e razão da nossa existência social. Sempre muito, por vezes excessivo, pois esqueço o "eu", mas o muito é bem empregue, edifica e solidifica as relações inequívocas.
O sorriso sincero, o abraço profundo, a alegria da pertença e da partilha. A segurança, o conforto, a cumplicidade, a inexistência de contrapartidas ao dar. O estar e partilhar por necessidades intrínsecas não visíveis ou mensuráveis.
"Eu" sei quem somos e "nós" sabemos que o somos.

"Eu", porque nada existe sem mim. Visão narcisista da vida mas no entanto real, factual e incontornável.
A realidade é o "eu" que a proporciona e constrói. Os "eus" somos a realidade. Hoje esta, amanhã outra, mas sempre a minha, consciente ou inconsciente do que sou ou do que abdico para ser.
Conjunto de átomos agrupados com um desígnio, e talvez um sentido, ansiosos por recriarem, mas também eles, e por agora, em equilíbrio.

O segredo está em descobrir as porções certas para a poção mágica funcionar, sabendo de antemão que os ingredientes têm de estar todos no caldeirão.
Mas será mesmo assim? Será que falta um outro qualquer componente etéreo e por ora inalcançável?
As folhas de visco estão a minha mão, mas a foice de druida não terá que ser de ouro?
Tudo seria mais fácil se um "eu" acreditasse.

O cobarde mentecapto

Quando procura assumir a metapoesia
O poema devora-se a si próprio

Esse processo viscoso
Sulcado a bisel na mais dura das pedras
Insurrectas para o escultor do acaso
Torna-se inominável de tão perverso

De nada tem medo, porque inconsciente

Nada respeita, incivilizado

Não se perde, porque não tem rumo
Acima de tudo, não se assume

O cobarde mentecapto

Elabora-se em espiral
Vertiginoso
Quando pára para pensar
Só o faz retrospectivamente e sob insulto.

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Tudo mudou de sítio. O poeta foi arrastado com os
móveis na turbulência da tempestade da vida.
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O poeta dorme tão profundamente que nem acredita
que está acordado.
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Não procura companhia. Antes pelo contrário, acorda
outros sem o desejar, e é por isso surpreendido.
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Tudo descansa. Só mais um pouco. Mas o poeta, inconsciente
está longe de perceber a ausência da morte, ainda que seja,
só por mais um minuto.


Delfim R.

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Vale a pena?

"...
Valeu a pena? Tudo vale a pena,
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador,
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu."

Mar Português, Fernando Pessoa in Mensagem