quinta-feira, 3 de abril de 2008

128 min.

Berlim, Berlim, Berlim.
Lugar de culto.
Por lá passaram muitos vultos modernos como Lou Reed, Iggy Pop, Bowie e Nick Cave. São alguns entre muitos. Muitos desconhecidos também. E nem todos estiveram lá fisicamente. Comum apenas o fervilhar. Um pré-aquecimento global. De ideias.
Berlim, Cidade-Estado, foi sendo sucessivamente da Prússia, do Império Alemão, da República de Weimar e por fim do Terceiro Reich. A partir desse momento fatal, a História não seria mais a mesma. Em consequência da Guerra Fria fecharam-se portas na cidade. Salvaram-se apenas as portas da percepção que por resistência de uns quantos ficaram abertas. E quando o muro caiu a História mais uma vez não voltou a ser a mesma.
Berlim, Cidade-Fatal. Não falha. Fatal como o Destino. E destinada sempre a mudar rumos. Os nossos. E a abrir portas. Algumas das minhas foram abertas assim, com uma estreita ligação a Berlim apesar de nunca lá ter estado. Uma importante foi pela mão de Wim Wenders com a ajuda do filme “As Asas do Desejo”. Existiram outras mas ficarão para outra altura. Onde estás Christiane F.?
E foi com os anjos que encontrei pela primeira vez o “Song of a childhood”, poema de Peter Handke, presença constante no filme. Uma pequena parte do poema, só para acompanhar este momento:
“When the child was a child,
It was the time for these questions:
Why am I me, and why not you?
Why am I here, and why not there?
When did time begin, and where does space end?
Is life under the sun not just a dream?
Is what I see and hear and smell
not just an illusion of a world before the world?
Given the facts of evil and people.
does evil really exist?
How can it be that I, who I am,
didn’t exist before I came to be,
and that, someday, I, who I am,
will no longer be who I am? “
Tenho uma ligação estranha com este poema. Várias vezes tentei decorá-lo. Mesmo em alemão e sem nada saber de alemão. Fruto disso, ás vezes no meio do nada esta canção sobe-me à cabeça e tudo pára á minha volta. Não é que tudo pare mas eu tenho de parar tudo. Uma necessidade urgente de serenidade e calma. Acima de tudo: um alívio acompanhado por uma respiração profunda. Aproveita o momento, oiço.
Mas voltando ao alemão: a musicalidade destas palavras sempre me fascinou. Mas por outro lado não deixa de ser impressionante que mesmo traduzindo para outra língua, a música em si consegue-se manter intacta. Do inglês ao português, ela está lá. A música virá mais da nossa imaginação, influenciada directamente pela mensagem ou filosofia que o poema canta. O conteúdo é que interessa. A música acompanha. E nós, apenas atentos, dançamos.
"When the child was a child
It walked with its arms swinging,
wanted the brook to be a river,
the river to be a torrent,
and this puddle to be the sea. "
Dançamos também graças a Nick. O bom filho. Vindo directamente das caves. E que agora, nos últimos tempos, tem mandado o Lázaro outra vez para debaixo de terra.
Momento sublime no filme. Que sorte teve aquele anjo! A de experimentar a sensação de entrar naquele clube, naquelas profundezas. Imagino-me também frequentemente naquela sala, incógnito no meio daquelas pessoas, encandeado pelos candelabros e hipnotizado pela música. A absorver tudo. Palavra chave: intensidade. E a dançar. Gosto de dançar. Com a mente. Obrigado Nick. From you to Eternity.
128 minutos podem mudar muita coisa. O Colombo, o detective, já sabia disso também.
Ainda bem que não sou anjo.
As minhas cores num fundo preto e branco.